
Desde janeiro de 2004, Rebecca Sharrock risca a data em um calendário todas as manhãs. Esse ritual ajuda a australiana, de 31 anos, a controlar o tempo em meio a incontáveis dias armazenados com clareza em sua memória.
Ao contrário da maioria das pessoas, Sharrock se lembra de dias do passado com total precisão. Pergunte sobre 21 de julho de 2007 e ela dirá que era sábado quando seu padrasto comprou o recém-publicado Harry Potter e as Relíquias da Morte.
“Temo que, de outra forma, não saberei a data exata”, explica Sharrock sobre a rotina de riscar cada dia do calendário. “Confundir os dias me assusta.”
Sharrock é uma das cerca de 60 pessoas conhecidas no mundo com Memória Autobiográfica Altamente Superior (MAAS), uma condição que permite recordar experiências de vida de forma extraordinária.
Ela só percebeu que sua memória era incomum em 23 de janeiro de 2011, quando seus pais lhe mostraram um noticiário na TV sobre pessoas com memória extraordinária. A matéria apresentava o professor Craig Stark, pesquisador que estudava essa condição rara.
Para Sharrock, lembrar-se de tudo com tanta clareza sempre pareceu normal. Uma brisa morna ainda traz lembranças de sua infância, incluindo uma oficina de canto na escola quando ela tinha 13 anos. “Naquele dia, no final de outubro de 2003, o presidente dos EUA visitou a Austrália pela primeira vez”, ela relembra. “Essa lembrança traz de volta aquele dia inteiro.”
A ciência da memória superior
A MAAS foi reconhecida pela primeira vez em 2006, depois que Jill Price contatou o Dr. James McGaugh na UC Irvine. Price descreveu sua memória como “ininterrupta, incontrolável e totalmente exaustiva”.
De acordo com os estudos da UC Irvine, “indivíduos com MAAS lembram detalhes específicos de eventos autobiográficos, passam tempo pensando sobre seu passado e têm uma compreensão detalhada dos padrões do calendário”.
Para pessoas com MAAS, conviver com uma memória extraordinária muitas vezes parece uma bênção ambígua, pois muitos lutam contra a incapacidade de esquecer experiências dolorosas. “Preciso de distrações como barulho e luz para dormir”, compartilha Sharrock. “Se tudo estiver quieto, as memórias surgem na minha mente e me mantêm acordada.”
Para Sharrock, que também tem TOC, ansiedade e autismo, as memórias negativas retêm seu impacto emocional. “Se estou me lembrando de algo negativo, minhas emoções daquela experiência voltam”, explica ela. “É horrível ser uma exceção médica porque poucas pessoas entendem o que você está passando.”
Os limites da memória superior
Pesquisas mostram que a MAAS é específica da memória autobiográfica. Esses indivíduos não apresentam melhor desempenho em testes de memória padrão.
O professor McGaugh explica que, embora as memórias MAAS sejam mais detalhadas, “elas ainda não são gravações em vídeo. A memória é um processo de distração, e o que extraímos do nosso cérebro nem sempre é totalmente preciso”.
Muitos cientistas continuam estudando a MAAS para entender melhor a memória. McGaugh observa que pesquisas como estas “podem fornecer insights sobre como o cérebro armazena e recupera memórias. Pode até ser útil na luta contra a doença de Alzheimer, embora seja muito cedo para dizer como.”
Para Rebecca Sharrock, o futuro reserva desafios e esperança. Enquanto a ciência trabalha para compreender sua condição, ela segue em um mundo em que esquecer continua sendo um luxo que ela não possui.
@60minutes9Rebecca Sharrock is Australia’s only known case of highly superior autobiographical memory, which allows her to remember almost every detail across her entire life. See more incredible minds on the #60Mins 24/7 channel – link in our bio.♬ original sound – 60 Minutes Australia
Imagem de Capa: Reprodução/Canva