
Pesquisadores de diferentes continentes acabam de iluminar uma possível engrenagem invisível por trás da COVID longa — aquelas sequelas persistentes que afetam milhares de pessoas meses após a infecção inicial.
Um estudo recentemente publicado no Journal of Medical Virology, envolvendo equipes da França e da África do Sul, revela a presença de estruturas microscópicas incomuns no sangue: microcoágulos (microclots) entrelaçados com armadilhas extracelulares de neutrófilos (as chamadas NETs).
O que são esses microcoágulos e NETs?
• Microcoágulos: são pequenos aglomerados de proteínas de coagulação que circulam na corrente sanguínea — diferentes dos coágulos grandes, mas potencialmente perigosos em níveis microscópicos.
• NETs (Neutrophil Extracellular Traps): formadas quando os neutrófilos — um tipo de glóbulo branco — liberam seu material genético (DNA) junto com enzimas para criar uma “rede” pegajosa que captura patógenos. Normalmente, essa estrutura é temporária, mas, segundo o estudo, em pacientes com COVID longa ela persiste.
O mais marcante? No plasma dos pacientes com COVID longa, esses microcoágulos não estão apenas mais numerosos e maiores — eles incorporam as NETs, o que os torna mais densos e resistentes à degradação natural pelo organismo.
Segundo Alain R. Thierry, geneticista do Instituto de Pesquisa do Câncer de Montpellier (INSERM), essa associação estrutural entre microcoágulos e NETs pode explicar por que eles persistem: “quando desreguladas, podem tornar-se patogênicas.”
Por que isso importa para os sintomas da COVID longa
Os microcoágulos persistentes podem obstruir os capilares — os vasos mais finos do corpo — prejudicando o fluxo sanguíneo e a entrega de oxigênio aos tecidos. Isso poderia contribuir diretamente para alguns dos sintomas clássicos da COVID longa: fadiga intensa, “névoa mental”, falta de ar e dores difusas.
Além disso, a equipe detectou níveis elevados de biomarcadores relacionados tanto aos microcoágulos quanto às NETs nos pacientes.
Para identificar esses padrões de forma eficiente, os cientistas usaram inteligência artificial (IA) — algoritmos de machine learning conseguiram distinguir com 91% de precisão quem tinha COVID longa, apenas analisando os níveis dessas estruturas.
Isso sugere que microcoágulos + NETs podem se tornar biomarcadores valiosos para diagnóstico mais objetivo da condição.
O que isso pode significar para o tratamento
• Terapias dirigidas: ao entender como NETs e microcoágulos interagem, os pesquisadores podem desenvolver estratégias para “desestabilizar” essa associação, talvez com fármacos que promovam a degradação das redes ou a dissolução dos coágulos.
• Diagnóstico mais preciso: a IA usada no estudo indica que futuros testes de sangue poderiam identificar quem realmente tem COVID longa com base em perfis moleculares, em vez de depender apenas de sintomas relatados.
• Novos alvos para pesquisa: esse achado abre portas para estudos clínicos focados em modular a resposta imune (neutrófilos) e os mecanismos de coagulação para aliviar os sintomas a longo prazo.
A descoberta de microcoágulos entrelaçados com NETs no sangue de pacientes com COVID longa representa um salto significativo para explicar por que tantos indivíduos continuam sofrendo meses depois da infecção aguda.
Embora ainda haja muitas perguntas sem resposta, esse estudo abre caminhos promissores para diagnóstico mais preciso e terapias inovadoras — talvez, um dia, ajudando a aliviar o fardo invisível da COVID longa.
Imagem de Capa: Canva

