Você escolheu sua profissão ou foi o seu trauma de infância? Por que fazemos o que fazemos

Muitas vezes, ao responder à pergunta “Por que escolhi esta profissão?”, a resposta consciente é simples: gosto disso, ouvi falar da área, foi uma boa oportunidade.

Porém, abaixo da superfície, existe um sistema nervoso que há muito tempo aprendeu a sobreviver — e esse sistema pode estar guiando decisões importantes, como a escolha profissional.

Quando entendemos essas escolhas invisíveis, abrimos espaço para recuperar parte do nosso livre-arbítrio — sem necessariamente precisar mudar de carreira.

O papel do trauma infantil nas escolhas profissionais

Estudos recentes sugerem que experiências adversas na infância (como negligência, abuso ou assumir responsabilidades precoces) estão associadas a trajetórias profissionais específicas.

Uma pesquisa sobre escolha de carreira demonstrou que disfunções na família de origem, parentificação (quando a criança assume responsabilidades de adulto) e motivações experienciadas de adversidade foram vinculadas à escolha de profissões de ajuda.

Outra investigação, com foco em adolescentes que sofreram trauma, mostrou que a adaptabilidade à carreira mediava a relação entre personalidade, crescimento pós-traumático e escolhas de carreira.

Esses achados apontam para algo essencial: as crenças fundantes — como “eu preciso cuidar dos outros”, “eu tenho que estar sempre preparado para resolver”, “eu não posso errar” — podem ter se desenvolvido como respostas adaptativas à infância, e acabam moldando a carreira.

Os “arquétipos” de carreira moldados pelo trauma passado

Aqui estão alguns padrões comuns que muitos se reconhecem:

O Reparador: Quem cresceu em meio ao caos ou imprevisibilidade, desenvolvendo uma sensibilidade a problemas futuros, pode se tornar engenheiro, técnico em TI, gestor de crises — sempre “consertando” algo.

O Cuidador: Filhos de pais imaturos ou emocionalmente ausentes que assumiram o papel de consolador. Tornam-se enfermeiros, terapeutas, professores — vidas de serviço, mas também muitas vezes com sensação de esgotamento.

O Prodígio / Criança Dourada: Aprendeu que para ser amado precisava ser perfeito, não podia errar. Vai para áreas de alto desempenho — CEO, advogado, atleta, cirurgião — numa busca constante por demonstração de valor.

O Pacificador: Em ambientes onde o conflito era perigoso, assumiu o papel de regulador emocional. Hoje atua em gestão de pessoas, mediação, bem-estar — ainda regulando para sentir segurança.

O Invisível: Ficar pequeno era a tática de sobrevivência. Agora trabalha “nos bastidores” — administração, logística, suporte — competente, porém com desejo de não chamar atenção.

O Performer: “Se eu fizer os outros rirem/me admirarem, eu existo”. Ator, comunicador, palestrante — ainda em busca de aplauso como sinal de amor.

O Protetor: Em ambientes inseguros, assumiu a proteção de irmãos ou a si mesmo. Profissões como forças de segurança, emergência, defesa — mantendo o estado de alerta.

Resgatando o livre-arbítrio — sem precisar mudar de carreira

Reconhecer que sua escolha de carreira possa ter sido motivada por uma resposta adaptativa a traumas não significa que você está “preso” ou “se enganou”. Pelo contrário: quando trazemos consciência, ganhamos poder de escolha consciente.

1. Reconheça o padrão: Pergunte-se: “Qual era o meu papel na família quando criança? Que necessidades eu supria para sobreviver?”

2. Tome distância das exigências adaptativas: A missão que você assumiu na infância pode não precisar ser o centro da sua vida adulta.

3. Integre o sentido real de vocação: Pode haver uma sobreposição entre seu papel adaptativo e aquilo que de fato você escolheu por paixão. O importante é distinguir.

4. Desenvolva adaptabilidade à carreira: A pesquisa mostra que essa adaptabilidade — capacidade de explorar opções, de se preparar para mudança — suporta crescimento pós-traumático e escolha consciente.

5. Reinvista seu “por quê”: Se você se tornou cuidador ou consertador, reflita: “O que eu realmente quero ajudar? Quem sou além desse papel?”

Assim, pode-se dizer: você nem sempre escolheu sua profissão “apenas porque gostava” — você a escolheu porque o seu sistema nervoso, a sua história, a sua resposta à infância fizeram-no.

Reconhecer isso não anula sua escolha — pelo contrário: adiciona consciência. E a consciência é o primeiro passo para que o trabalho não seja apenas um reflexo da dor, e sim um espaço de realização. Resgatar seu livre-arbítrio significa vivenciar sua carreira com mais presença, significado e leveza.

Imagem de Capa: Canva





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