Obrigado meninos!

A escada, pisoteada incontáveis vezes ao longo do dia por pés apressados, sentia-se acariciada naquele momento pelo delicado caminhar daqueles pés anciãos. Não era uma escada que rolava. Era o casal que subia, sem pressa, carregando suas sacolas nas mãos e o passado nas costas, indiferente aos que corriam com olhos turvos e a mente no futuro. E os velhos subiam. E o faziam no seu ritmo. A escada, inerte, observava. Viu os velhos, viu os apressados… Viu-me também: “Mais um que vai passar dentro de si…”.

A escada cedia seu corrimão como quem cede o braço a um cego, para que a senhora se apoiasse enquanto puxava lentamente, degrau a degrau, seu carrinho de feira entulhado de não sei o quê. E antes que eu pudesse passar sendo mais um, perguntei, já segurando uma das alças do carrinho: “Quer uma ajuda?”. A escada espantou-se. A velhinha, apanhada de surpresa, não teve tempo para pensar em assalto que fosse ou coisa outra qualquer. Continuou agradecida e calada a sua subida.

O tempo parece mudar o peso das coisas.

Um fardo para ela, leve para mim, subitamente ficou ainda mais leve. Curioso, olhei para trás e a mão de outro alguém fora de si havia levantado a traseira do carrinho para evitar que as rodas contornassem com dificuldade os degraus.

A escada sorriu. E seu sorriso fez com que ela se fizesse rampa facilitando a nossa subida. O senhor na frente com duas sacolas e o passado, a senhora com seu carrinho e o passado, eu e o desconhecido com o presente que acabáramos de ganhar: a solidariedade.

O senhor, absorto em sua solitude, pouco tinha acompanhado da cena, salvo uma breve espiada para trás por sobre os ombros. Provavelmente já não escutava muito bem as coisas que o mundo tinha a lhe dizer e o que presenciava com sua vista cansada, pouco teria a lhe acrescentar na gaveta de novidades.

A escada sim. Atenta, acompanhara tudo, cada passo sobre suas costelas.

Acostumada com seu papel de coadjuvante pôde ouvir a senhora despedindo-se num agradecimento assim que pousamos o carrinho com cuidado no final da subida: “Obrigado, meninos!”

Sem opção, a escada voltou ao seu papel de ângulos retos. O casal seguiu o seu caminho. Quanto a mim… Bem, eu teria chegado em casa alguns ínfimos milésimos de segundo mais cedo para divagar não fosse o imprevisto. Mas guardo com carinho o meu presente.

“Obrigado, menina!”

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Por: Angelo Asson





Relaxa, dá largas à tua imaginação, identifica-te!