
Uma pesquisa brasileira realizada pela Universidade Federal de Goiás (UFG) está despertando atenção ao apontar que a cera de ouvido — também chamada de cerúmen — pode servir como material biológico para detectar alterações indicativas de câncer antes mesmo de tumores clínicos aparecerem.
A descoberta abre possibilidades de diagnósticos mais precoces e menos invasivos, com impactos importantes para tratamento e sobrevida.
Como é o cerumenograma
Os pesquisadores da UFG, liderados pelo professor Nelson Roberto Antoniosi Filho e pelo doutorando João Marcos Gonçalves Barbosa, desenvolveram uma técnica denominada cerumenograma.
Essa metodologia utiliza amostras de cerúmen para detectar metabólitos orgânicos voláteis (VOCs, na sigla em inglês) e outras substâncias químicas que podem indicar processos metabólicos anormais associados ao câncer.
A análise envolve cromatografia a gás e espectrometria de massas para separar e identificar moléculas presentes nas amostras, comparando-as entre pessoas com câncer e pessoas sem o diagnóstico.
Foram identificados 158 metabólitos orgânicos voláteis em amostras de cerúmen. Dessas, 27 se destacaram como potenciais biomarcadores de câncer, capazes de distinguir (com base no estudo) entre pessoas com e sem a doença.
No estudo inicial, participaram 102 voluntários: 52 tinham câncer de tipos diferentes (carcinoma, linfoma ou leucemia) e 50 eram participantes controle (sem câncer). Com base nos 27 compostos, foi possível distinguir com alto grau de acerto quem tinha a doença.
Desta forma, o cerumenograma demonstrou capacidade de identificação da doença em estágios iniciais. Ou seja, antes de manifestações clínicas ou tumores visíveis em exames convencionais.
O método é não invasivo, relativamente simples de coletar, potencialmente barato e de rápida aplicação em comparação com muitos exames de imagem ou biópsias.
Limitações e o que ainda precisa ser validado
Embora os resultados sejam promissores, há pontos que exigem cautela. O estudo envolveu diferentes tipos de câncer (carcinoma, leucemia, linfoma), mas não abrangeu todos os tipos possíveis. Também, embora eficaz nos participantes do estudo, ainda não houve implementação em larga escala.
Além disso, para que o cerumenograma torne-se um exame de rotina ou parte de programas de rastreamento, ele precisa passar por ensaios clínicos maiores, repetidos, com revisões por pares, em diferentes populações e locais.
Implicações médicas, sociais e futuras
A detecção precoce é um dos fatores mais relevantes no sucesso do tratamento do câncer. Quanto antes for identificada uma anomalia, maiores são a chance de cura e menores os danos e os custos. O cerumenograma poderia contribuir para reduzir o tempo entre surgimento das primeiras alterações e o diagnóstico.
Por ser exame simples, indolor, de coleta fácil, ele pode ser especialmente útil em regiões com menor acesso a exames sofisticados ou equipamentos caros.
Além do câncer, os pesquisadores estão avaliando se o método pode fornecer informações úteis para outras doenças metabólicas ou neurodegenerativas.
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