Caia nos braços de um cafajeste, minha filha!

Todo mundo comenta sobre o quanto a humanidade evoluiu, criando milhares de tecnologias incríveis que mudaram nossa forma de viver e de nos comunicar, mas ninguém assume que a gente continua dividindo o mundo entre pessoas certas e pessoas erradas exatamente como os nossos tataravôs faziam.

Continuamos dividindo homens entre cafajestes e ‘certinhos’ e mulheres entre as que são ou não são ‘pra casar’. Em pleno 2014 a gente continua ensinando nossas filhas – ainda que silenciosamente – que desfrutar do próprio corpo (sozinhas ou acompanhadas por quem escolherem) não é assim, super ‘certo’; que pornô é coisa de nerd punheteiro ou de gente pervertida e ‘errada’, que vacina de HPV é coisa de menina que pretende sair ‘dando pra meio mundo’, que usar determinada roupa ou sair sozinha em determinados horários é justificativa para violência e que sexo só é bom se for dentro de parâmetros ‘certos’ e com a tal ‘pessoa certa’.

E assim a vida vai continuando enquanto um milhão de estudos tentam explicar as razões pelas quais as pessoas estão insatisfeitas na vida e no trabalho e o consumo de antidepressivos no mundo é assustador. O que as pessoas não querem perceber é que, no final, todo mundo anda se pelando de medo de viver, de experimentar a vida e de tocar as pessoas; medo de acreditar que pode mudar o mundo ao invés de viver reclamando dele nas redes sociais, medo de cair nos braços e nos corações das pessoas ‘erradas’, medo de enfrentar a vida e de se aproximar de pessoas que vão abalar as bases e invadir o mundo, o corpo, os poros e vão fazer isso não necessariamente pretendendo ficar. Tá todo mundo com medo de ter que dizer adeus, porque se tiver que dizer adeus é porque ‘deu errado’ e tudo que é errado é inconcebível. O que ninguém explicou é que o fato de a pessoa não querer ficar – ou acabar não ficando – não a torna a pessoa errada; que o fracasso não torna a escolha errada e que o erro e a dor não tornam tudo errado porque esse ‘tudo’ é muito mais amplo que isso.

Falta perceber que enquanto ficamos dividindo até a nós mesmos entre o certo e o errado, projetamos isso pra tudo e deixamos tudo tão raso e difícil que a gente acaba precisando de uma pílula que acabe com a miséria ou um aplicativo que permita postagens anônimas como uma válvula de escape; um último lugar pra dizer o que a gente considera errado dentro da gente sem perceber que não tem absolutamente nada de errado e impronunciável em sentir uma puta falta do beijo dela, amar tanto alguém que dê até medo, se sentir tão só que dói pra respirar ou querer ser chupada sem precisar retribuir. Eu posso dar mil exemplos que eu li e ainda sobrarão outros milhares, mas a verdade é que não é difícil perceber que com tanto rótulo e com conceitos tão rasos de certo e errado fica extremamente difícil encontrar onde é que a gente coloca a nossa humanidade.

Cada vez que a gente transa no escuro ou deixa de realizar uma fantasia; cada vez que a gente responde “estou correndo muito, não tenho tempo pra parar, pra te ver, pra te ajudar” a um amigo ou familiar passando por uma situação triste ou simplesmente querendo nutrir nossa amizade e toda vez que a gente inventa milhares de justificativas pra ficar em um emprego ou em uma situação que nos consome e entristece – só porque ‘é o certo’ – a gente se afasta da alegria e nem vê. A gente torna a vida pesada e nem percebe.

E enquanto todo mundo fica preocupado em ensinar e vivenciar essa distorção estranha do que é certo e errado nessa hipermodernidade, ninguém diz o que importa pros seus filhos: saiba que você não é de vidro pra se quebrar e nunca mais se recuperar. Você tem o direito inalienável de errar e experimentar e tocar o mundo e se não tiver coragem de fazê-lo você não poderá culpar a igreja, seus pais, um político ou o astro de rock por isso, porque no fim da vida, tudo é entre você e você mesmo.

É por isso que se um dia eu tiver um filho eu vou dizer a ele que não existe uma pessoa certa pra gente e que a experiência me mostrou que Veríssimo estava absolutamente correto quando disse que o que existe é uma pessoa, que se a gente parar bem pra pensar, concluirá que é a pessoa ‘errada’.

Eu vou dizer pra não teimar em olhar para a vida com tanto julgamento, pra abandonar esses valores e preconceitos enraizados e todas essas meias-verdades incoerentes.

Se um dia eu tiver uma filha eu vou dizer pra ela deixar que muitas pessoas erradas tragam um pouco de loucura para a sua loucura e algumas brigas pra sua calmaria. Deixar que arranquem suas meia-verdades, seus pré-conceitos, seus nojos, neuras, medos e segredos.

Sim, eu vou aconselhar: caia nas mãos de um cafajeste pelo uma vez na sua vida, minha filha. Se entregue, deixe que ele te dispa com a boca e com o olhar; que contrarie suas lógicas, que te tire da sua zona de conforto, questione suas verdades mais íntimas, te deixe pirada, te faça subir pelas paredes, gozar em lugares proibidos e aprender a gostar de comidas, músicas e toques que você nem imaginava.

Eu vou dizer tudo isso porque eu não quero que ela fique tentando se equilibrar miseravelmente entre o certo e o errado, ignorando o que a Martha Medeiros já dizia com propriedade: além do certo e do errado, existe nossa porra-louquice, nossas urgências sexuais, nossa ausência de certezas e tudo aquilo que ninguém aplaude e ninguém vaia porque ninguém vê.

Eu vou dizer pros meus filhos levarem a vida com mais calma e leveza e pararem de ler os textos pela metade. Eu vou obriga-los a ler o texto do Veríssimo até o final para que entendam mais cedo do que eu entendi que a pessoa errada pode ser a pessoa certa em um momento da nossa vida e que muitas vezes tudo que a gente precisa mesmo é de uma ou muitas pessoas erradas pra que as coisas finalmente comecem a dar certo pra nós.





Relaxa, dá largas à tua imaginação, identifica-te!